domingo, 6 de fevereiro de 2011

Participação no programa Sambarbudos, o Podcast

Nasci na época errada

Eu vejo
o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grande novidades...

Trecho de "O Tempo Não Pára", Cazuza


 

O tempo não para mais é fácil encontrar um lugar para o passado


 


 


 

 


 

Você assiste ao filme "Em Ritmo de Aventura", de Roberto Carlos, gravado em 1968 e ouve a frase: "é uma brasa mora". Acha que seria muito divertido se essa expressão fosse usada hoje em dia. No dia seguinte, ouve "Beatles" e pensa: "que CPM 22 que nada. Isso sim é que era música". Um sinal de alerta se ascende em seu cérebro e você acha que deve ter nascido na época errada. Calma! Não se sinta o último dos moicanos, não precisa procurar um psicólogo. Esse tipo de comportamento é mais comum do que você imagina.

Segundo o mestre em Análise do Comportamento, Nicodemus Batista Borges, estamos diante da "ressurgência", um fenômeno comportamental em que o jovem, não satisfeito com as condições atuais, busca, no passado, referências que deram certo. O movimento renascentista que se passou entre os séculos XV e XVI, e tem como grande ícone Leonardo Davinci, pode ser considerado como um comportamento de ressurgência. Os artistas, insaisfeitos com o total domínio da igreja, inclusive na arte, redescobrem o modelo artístico e a literatura da Grécia e de Roma, como o estudo cientifico do corpo humano e do mundo natural e a intenção de reproduzir com realismo as formas da natureza. Agregando novos conhecimentos técnicos às descobertas antigas, buscaram alternativas para renovar o presente. Os renascentistas inauguraram a pintura moderna voltando-se para a antiguidade.

Andando pela rua ou indo a uma balada, são poucos os jovens que se diferenciam, seja no papo, no gosto musical ou nas roupas. A maioria veste as mesmas peças da grife da moda, falam sobre os mesmos assuntos e dançam ao som das mesmas músicas. Quando aparece alguém que sabe falar sobre influencias musicais de artistas antigos, ou que conheça movimentos passados, é logo visto com desconfiança. Pois, destoa da maioria. Esse foi outro ponto abordado pelo aspecto ressaltado por Borges: a questão da busca de referências do passado como forma de diferenciação. "É uma tentativa desses jovens de buscar uma identidade diferenciada, pois a nossa cultura na atualidade, tem reforçado as semelhanças", afirma o especialista.


 

Para muitos jovens, ser um estranho no ninho é uma forma de se destacar, rejeitar a mesmice. Atualmente, existe o agrupamento em pequenos guetos, afim de conseguir uma maior sensação de reconhecimento e proteção. No entanto, até estes grupos podem ser considerados como modismo, uma vez que há o engajamento em "ser diferente" como uma forma de identificação.

Com as antigas tradições pouco repassadas entre as gerações, é muito difícil identificar hoje jovens que se dedicam a alguma atividade ou que aderem a comportamentos "ultrapassados" por influência familiar. É muito mais provável a descoberta dessas tradições em guetos do que no ambiente familiar. A individualidade dos tempos modernos mantém cada vez mais difícil a transmissão de conhecimento dentro da família. Dessa forma, é muito mais simples manter os jovens afastados de antigos valores

fazendo-os se aproximar do que é comum ou do que é moda.

Os poucos que trazem de casa referências tradicionais, têm um comportamento natural de reconhecer o passado como forma de interelacionar o presente e alcançar a procurada "identidade diferente". É justamente na inter-relação entre o velho e o novo que está o segredo de saber olhar pelo retrovisor.

Em raros casos, há negação total do presente entre jovens que se interessam por antiguidades. O radicalismo fica só para nossos avós que não conseguiram acompanhar o ritmo frenético da modernização. Hoje, é muito mais comum a mistura entre o que há de melhor entre uma época e outro do que a recusa em viver o presente.

Rapazotes e moçoilas, alcançar com a vista o avelhantado, pode ser uma forma de encontrar-se com o modo mais perfeito do que há de vir a ser na esfera armilar.

Se você não entendeu, talvez seja importante ver a tradução ao final da matéria e começar a olhar o retrovisor com mais atenção.


 


 

 


 

Desde os primórdios, até hoje em dia, o homem ainda faz o que o macaco fazia...

trecho de "Homem Primata", Titãs


 

 

Cadeiras da década de 50, instrumentos antigos e um jeito, diríamos, antiquado de tratar Clientes. O ambiente retrô não combina com os atuais salões de beleza. Mas combina com um dos mais jovens barbeiros de São Paulo. O contraste entre o antigo e o moderno, forma uma divertida mistura na figura de Adriano Lopes Pinto, 35, que há 15 anos pratica o ofício tradicional do pai.

A dedicação a uma das profissões mais antigas do mundo só tem uma explicação: "Torcedor da portuguesa e barbeiro... você já ouviu uma criança falando que vai ser barbeiro quando crescer? Foi um lance do meu pai". Afirma Kacique, como é conhecido por todos.

Não foi preciso voltar à Grécia antiga, onde surgiram as primeiras barbearias para admirar a profissão. A escolha deu certo e é um exemplo de que manter uma tradição pode ser uma forma interessante de viver a modernidade.

Com muita descontração, diz que foi com os antigos que aprendeu o trato com os clientes. "Foi assim que eu aprendi a perguntar: qual é sua graça?". Além disso, tem uma variedade muito grande de clientes, inclusive idosos que preservam mais do que ninguém o costume de ir a uma barbearia. Este vasto catalogo de pessoas, propicia conhecimentos diversos e contato a experiência dos antigos, reafirmando ainda mais as tradições. "É como se fosse uma faculdade a vida inteira. Você aprende com vários professores" completa o Lopes. A antiga imagem do barbeiro, aquele que fazia sangrias, era um pouco médico, um pouco dentista, ainda são referências que a profissão carrega.

Apesar da separação dessas atividades, tornando o barbeiro unicamente um profissional que corta cabelo e faz barba de homens, a pompa e credibilidade são refletidas no dia-a-dia de Adriano. Com um repertório incalculável, alguns clientes querem saber a opinião do "barbeiro" sobre um determinado assunto. Ele é interpretado como uma pessoa que vê as situações de diversos pontos de vista diferentes, ou melhor, de vários pontos de cabeças diferentes.

Alguns clientes já sugeriram a reforma do salão, mas Kacique se nega. Diz que a graça é manter tudo como há 50 anos. E com certeza a decoração do lugar não é motivo para a perda de clientes. Ao contrario, seu público aumenta cada vez mais entre jovens, crianças e idosos.

Não é só na profissão diurna que Kacique remonta o passado. Músico e produtor, tem uma banda chamada Dr. Zero. No último CD da banda, "Cadê meu chá?", além de dedicar uma música que atualiza os fãs do seriado mexicano, Chaves, febre nacional desde de o final da década de 80, faz uma versão do hit "O meu Sangue Ferve por Você". A música estourou nas paradas com a interpretação de Sidney Magal e com a onda "brega", ou trash, voltou a fazer a cabeça de muitos jovens. A versão modernizada ganha uma roupagem nova e atraente na mistura de Reaggae, Rap e Pop-Rock . Prova de que é possível mixar passado e presente para formar um futuro muito mais criativo. E é isso que Adriano Lopes Pinto faz, seja na barbearia, no jeito retrô de se vestir durante os shows ou em suas alquimias musicais.


 

Para saber mais:


No site freerecords.com.br, está disponível o último disco da banda do músico e barbeiro, Kacique. Vale a pena conhecer suas misturas musicais e cômicas.


 

 

A música em mim corre mais rápida que o tempo...

Trecho de "A música em mim", Lucina


 

 

Até pouco tempo atrás, do ponto de vista da escolha musical, os adolescentes procuravam acompanhar as novas tendências do mercado da música e o surgimento de artistas e bandas a cada dia. Para a maioria deles o avanço da tecnologia só fez progredir a qualidade e os gêneros musicais.

Porém já diz o ditado "que toda regra tem sua exceção". E partindo desse ponto de vista notamos o surgimento de um grupo de adolescentes que gosta de retroceder no tempo quando a questão é música. Jovens que ao invés de acompanhar a evolução fonográfica deste século encontram prazer no tempo dos Hippies.

Essa tendência encontra relação tanto com fatores internos que estão relacionados á questão familiar quanto aos agentes externos. "tenho certa influência de vários estilos, o meu pai gosta de uma coisa, a minha mãe de outra, o meu primo de outra, mas tudo meio antigo, digamos assim. Aprendi a entender o que eles escutavam e mesmo hoje eu absorvo certas coisas e outras não", diz a estudante Isabela Campos Pinheiro, 18 anos. Torna-se uma tradição: os pais ensinam seus filhos sobre seus gostos e estes posteriormente agregam isso á seus valores.

Por outro lado o contexto histórico e o comportamento social também influenciam o gosto musical segundo a estudante. "Se pudesse voltaria para aquela época dos hippies, acho legal, pelos seus valores, por uma questão de consciência. Hoje a rebeldia está muito sem causa. Tinha um porque das coisas, as pessoas se questionavam." A liberdade excessiva concedida para o estudante, o torna uma pessoa sem "conteúdo" para expressar suas vontades. E questões de educação, respeito e valor perdem força mediante as transformações de caráter da sociedade.

Essa escolha "antigo refinada" adotada por Isabela se manifesta ao ouvir a banda Kiss que emplacou multidões na década 1970 com seu estilo Hard Core de cantar. Entre as preferidas pelo Movimento Retrô Musical destacam se os clássicos do Rock na década de 70, MPB e a Velha Guarda.

A questão do preconceito também é um fator que norteia a vida de quem prefere ouvir músicas antigas. A conseqüência disso é o surgimento de comentários entre os amigos e é nesta hora que o adolescente descobre realmente a importância que essa escolha representa em sua vida. A maioria não se importa e sabe impor sua vontade como é o caso da estudante Isabela Campos: "Em determinados momentos eu me sinto por fora, mas, eu conheço pessoas que gostam das mesmas coisas que eu. Não me acho diferente"

Esse resgate por estilos e tendências antigos não engloba só o campo musical. Atinge a cinema, arquitetura, moda, entre outros e deve ser encarado como uma forma de encontrar prazer nas coisas mais simples. Pode ser que o avanço da tecnologia esteja ficando estagnado e não proporcione mais aos olhos da camada mais jovem da população o mesmo prazer e alegria que acompanharam o amadurecimento de seus pais e parte de sua infância. Será isso o futuro de uma parte dessa geração? Voltar ao passado?


 

 


 


 


 

Esporte de velho...


 


 


 


 


 

 

Boné virado para trás, espinhas na cara, olhos atentos, assistindo ao jogo concentrado enquanto espera a sua vez. É assim a rotina do estudante Ivan Mesquita de 16 anos, quando está no Centro Cultural de São Paulo. Vários jogos acontecendo e ele é o único jovem, em meio a senhores e jovem senhores com idade que variam entre 40 a 70 anos.

Ivan aprendeu a jogar xadrez com os pais, com 4 anos de idade. O amor pelo jogo é tão grande que o estudante já repetiu várias vezes na escola porque teve que faltar para participar de torneios. Mas ao contrário do muitas pessoas possam pensar, o estudante não se considera antigo, nem tão pouco retrô: "na escola, só eu que jogo, os outros acham diferente, eu acho normal."


 

Os demais freqüentadores, que costumam jogar com Ivan, não escondem que o garoto é quieto, não fala muito sobre si mesmo, mas joga muito bem. O eletricista Vicente Lopes, 40 anos, explica o perfil do jovem jogador: "Todo mundo que eu vi, que tem um nível mais alto de xadrez, esses meninos mais jovens são mais quietos, mais fechados".

Segundo o fitoterapeuta, Benito Leonel Pinoti de 39 anos, também adorador de xadrez, os jogadores são muito estereotipados, não tem somente senhores aposentados, ou CDF's de aparelho nos dentes jogando, há sim, uma variedade de perfil dos jogadores.

O jogo de xadrez teve a sua origem na Índia, e a forma atual de jogo, (como é esta forma) surgiu na europa

 


 


 


 


 

Que coisa de vovozinha, que nada!


 

 

Uma jovem sentada na varanda, com agulhas e linhas de crochê, fazendo um casaquinho para a sobrinha. Mais estranho que isso, é só se nos garantirem que existe vida em marte. Algumas jovens devem achar mais estranho a vida em marte, já que o crochê faz parte de suas vidas. A estudante Jade Laurentino, hoje com 27 anos, aprendeu a fazer crochê aos 12 anos, com uma vizinha que morava em frente a sua casa e ganhava a vida vendendo as peças produzidas.

Para a estudante, a mãe foi também uma influência: "comecei a me interessar por artes manuais quando ainda era pequena. Acho que a minha mãe influenciou indiretamente neste meu interesse. Ela pintava quadros, vitrais, confeccionava peças em gesso, isopor, enfim, era voltada para o artesanato."

    Ninguém sabe ao certo onde esta arte manual, tão cultuada no tempo de nossas vovozinhas, surgiu. Pesquisas arqueológicas recentes mostram que o crochê teve origem na China, sendo usada como uma forma de costura. O crochê se aprimorou nos tempos da renascença, se alastrando por toda a Europa na época da Revolução Francesa, com a fuga dos nobres para outros países.

O apogeu do crochê aconteceu na Irlanda, no século XIX, quando transformando-se em grande industria artesanal. O mesmo ocorreu na França onde crescia igualmente o interesse pelo crochê, mas o trabalho feito à mão foi progressivamente substituído pela produção industrial.

A técnica, que anteriormente passava de geração em geração, em uma tradição que aliava transmissão do conhecimento de forma oral e manual, passou a ser objeto de livros, nos quais se publicavam os pontos básicos seguidos de inúmeros projetos e modelos.

Segundo Jade, um dos motivos para o crochê ser considerado tão antiquado foi justamente à industrialização: "o artesanato em geral é considerado coisa de vó pela industrialização que nós temos. Por que irão pagar caro por uma mão de obra que uma máquina substitui? Por que pagar caro por um trabalho que em geral é demorado se com uma máquina, várias peças podem ser reproduzidas?".

A recepcionista Solange Aguiar, 28 anos, aprendeu crochê no ano passado com a sua irmã, que por sua vez, aprendeu com uma amiga. Nos tempos remotos, aquele mesmo da nossa vovozinha, as mulheres preparavam-se apenas para casar. Fazia parte do currículo da boa esposa, saber tocar piano, aprender outras línguas, fazer crochê e outras artes manuais.

Quando a mulher começa a sair de casa para trabalhar, a formação, antes voltada para o casamento, passa a ser dedicada a obter postos melhores no mercado de trabalho. Começa a faltar tempo para as atividades manuais, e as mães destas mulheres morrem com o conhecimento sem passar a elas. Encerrando-se assim, a tradição do crochê.


 

 

A recepcionista acredita que este foi um dos motivos para o declínio das artes manuais: "As artes manuais são consideradas coisa de velho porque antigamente as mulheres não trabalhavam e ocupavam o seu tempo com as atividades domésticas, fazendo crochê, tricô, bordado, enxovais".

Solange, que programa uma viagem para o ano que vem, usa o dinheiro das peças feitas com o crochê para ajudar na realização do sonho de botar o pé na estrada. Lamenta apenas a falta de tempo, pois trabalha oito horas diárias. Ao contrário de Solange, Jade não esconde a sua falta de habilidade para a venda: "em geral eu não ganho dinheiro, primeiro porque tenho vergonha de oferecer, não sei vender o produto. Sempre tive esse problema, muitas vezes eu acabo até dando de presente porque a pessoa pergunta quanto é e eu não consigo responder."

Não pensem que estas moças a moda antiga param no crochê, ano passado a estudante aprendeu a fazer ponto cruz e adorou. Solange arrisca alguns trabalhos no barbante. Embora poucas jovens façam trabalhos manuais hoje em dia, elas costumam gostar das peças: "Mas as pessoas gostam desse tipo de trabalho, tanto que já vi várias vezes paninhos imitando os pontos de crochê feitos em plástico." E, afinal de contas, as peças produzidas com o crochê nunca saíram de moda, basta nos lembrarmos da flor no cabelo da ex Big Brother Siri. A peça ganhou o gosto popular e vendeu como água, na época.

 


 


 


 


 

Filme antigo pode trazer coisas novas


 


 

 


 

Os grandes sucessos do mercado cinematográfico da década de 70 tornam-se atrativo para uma classe de adolescentes que encontra na essência do cinema antigo algo de qualidade e que os faz feliz.
Estamos falando de jovens que a modernidade e a tecnologia do cinema novo não conseguiu encantar como a maioria das pessoas. São adolescentes que buscam na cultura que o cinema antigo proporciona a qualidade no conteúdo abordado pelos filmes. "Gosto assistir filmes e seriados antigos. Os filmes de agora são bons também,  mas tem um problema, eles se preocupam mais com a estética do que com falas. Os filmes do passado são mais pensados. Os filmes de terror do passado, por exemplo, eram muito mais assustadores que do presente mesmo sem os efeitos especiais. Agora é só mostrar a cara de um bicho feio que já é terror.", diz o estudante Carlos Eduardo, 19 anos.
    Além de resgatar a cultura do cinema na década de 70 o estudante também prefere se vestir com trajes simples e gosta de coisas simples. "Eu adoro coisas antigas. Considero-me antigo porque tudo o que eu gosto, música, filmes, são do passado, gosto de coisas dos anos 70, gosto de mais coisas antigas que de hoje. Não me preocupo com roupa, gosto de roupas simples, mas o tipo de cabelo mais antigo, raspadinho." Isso é uma tendência que cresce a cada dia entre os adolescentes. Muitos não se identificam com as coisas que acompanham sua geração. Não encontram na complexidade do dia a dia o conteúdo que os faz entender o mundo em que vivem.
    Ter esse tipo de opinião muitas vezes limita o jovem que pode ser excluído por outros de sua idade ou confundido com uma pessoa que prefere à boa e velha companhia dos velinhos. Para Carlos Eduardo essa realidade não faz parte de sua vida. "Procuro pessoas da minha idade que pensam como eu, porque as pessoas mais velhas vão falar de coisas que não dá para a gente entender, que só quem esteve na época entende. Agora gente mais nova entende mais ou menos". O que nota-se diante desse tipo de comportamento é a necessidade que se faz de unir o passado e o presente na tentativa de constituir o futuro.Esse é um Movimento que de resgate do passado que cresce a cada dia. Tal acontecimento deve ser encarado como uma necessidade de resgate de valores.
    A liberdade e auto-suficiência alinhadas com a modernização da consciência social provocaram um efeito inesperado na classe dos adolescentes. O fácil virou complexo demais a ponto de querer ser seguido.

 


 


 

Para saber mais:


 

Não deixe de assistir Psicose, filme de Alfred Hitcock e It, uma obra prima do medo, baseado no livro de Stephen King.

 


 


 


 

Carlos Eduardo e suas amigas que "nasceram na época errada"


 


 


 


 

"Oh! que saudades que tenho da minha infância querida que os anos não trazem mais"
Trecho do poema "Meus Oito Anos", Casemiro de Abreu


 

 

Você já foi a uma balada onde as pessoas viram em cabalhotas e fazem coreografias para dançar ao som de "As Paquitas", "Menudos" e "Dominó"? E tudo isso, sem precisar estar bêbado ou drogado, em plana e sã consciência? Para muitos, essas relíquias da década de 80 ficaram esquecidas, ou lembram apenas que marcaram sua infância. Para tantos outros, como é o caso dos freqüentadores da festa Trash 80´s - uma balada diferente e que faz a década inesquecível tornar-se realidade- são vistos como verdadeiros sucessos atuais.

Os freqüentadores têm em média de 24 a 30 anos. Um público assíduo que encontra a possibilidade de remontar sua infância e, muitas vezes, se comportar como tal. Logo na porta de entrada, um cartaz informa a filosofia da festa: Preconceito de raça, cor, crença e opção sexual deve ser deixado de lado. Lá é possível ser o que se quiser ser. Sem limites e imposições. Por isso as pessoas convivem em harmonia, cada um respeitando o jeito de se vestir, falar, cantar e agir. Um lugar onde o clima nostálgico e cômico emite a magia de sentir-se criança.

"Quando se é criança, você não tem noção da gravidade dos problemas. Quando você entra na Trash, você vira criança. Você não tem problema". O dono desse pensamento, compartilhado por uma grande turma que participa da festa, é do vendedor Daniel Marcílio Caldeira, 23 anos. Ele diz que não é só a questão de ouvir músicas antigas que o faz viver a frase-código: "Não vou mais. Só de sexta". O clima de liberdade e o respeito às diferenças que compõe o lugar, são pontos chaves para querer continuar dedicando horas de seu final de semana a ser criança. Ir "só de sexta", quer dizer que, religiosamente, todas as sextas feiras do mês ele e os amigos, que encontrou por lá, fazem o mesmo ritual. "Se tivesse 5 sextas feiras no mês, eu iria 5 vezes", brinca Daniel.

No site da festa, há uma página inteira dedicada a "velharias" que marcaram a infância de muitos marmanjos na atualidade. Links de sites são organizados por categorias: infância, Cinema, Música, Moda e Comportamento, Dança e Arte, Televisão e Guias. Ou seja, é possível entrar no DeLorean, do excêntrico Dr. Brown e, como o jovem Marty McFly, voltar no tempo cruzando o espaço e depois voltar ao futuro. Aliás, esta referência também é da década de 80. Viu só? Fugir de referências que marcaram uma geração é quase impossível.

A fuga temporária da realidade, transportando para um passado feliz reflete o sentido de protesto inconsciente, como afirma a psicóloga Geórgia Guerra Papardenis Zilleg: "Um protesto inconsciente de que o presente não é tão perfeito como se imagina. Que muitas coisas do passado têm valores importantes".

Para Caldeira, é muito mais que um momento de descontração. É a possibilidade de encontrar pessoas desarmadas de prejulgamentos quanto ao estilo de roupa, tipo de cabelo, tipo de comportamento ou qualquer outra moral paralisante que se encontra na sociedade de hoje. Para esses jovens, poder ser criança não significa perder a noção do que é certo. É poder reviver momentos bons da infância sabendo o que a maturidade tem de melhor e transformar tudo isso em um refresco de groselha: fora de moda, mas colorido e doce.


 

 


 


 


 


 

 

Escreva uma carta, meu amor, me diga alguma coisa, por favor...

Trecho de "Escreva Uma Carta Meu Amor", Roberto Carlos


 

 


 

Quem imagina ficar horas com uma caneta na mão escrevendo cartas para desconhecidos em plena era tecnológica? Mesmo com a velocidade na comunicação que ferramentas como o orkut o msn e o e-mail proporcionam, a estudante Janice Santin de 17 anos, ainda faz cultiva este hábito. Isso mesmo, com a caneta em punho, a estudante escreve para um grupo de 15 correspondentes fixos, e espera religiosamente, até duas semanas por uma resposta, porque mantém contato, inclusive, como pessoas que moram no exterior.

A troca de correspondências, foi, durante muito tempo, o único meio de comunicação entre familiares, amigos ou namorados que moravam em outros Estados ou cidades. Já foi usada como forma de fazer negócios ou declarar guerras em todas as partes do mundo.A primeira troca de cartas que se tem notícia foi no Egito em 4.700 anos antes de Cristo, época em que "rápidos" mensageiros, os sigmanacis, levavam as mensagens a pé, a cavalo ou montados, em camelos.

O Brasil está repleto de fatos que ressaltam a importância das cartas em sua história: o país só foi oficialmente conhecido quando, em

1500 Pero Vaz de Caminha manda uma carta ao rei de Portugal contando as características de nossa terra recém descoberta, ou, quando ao ler uma carta da Imperatriz D. Leopoldina informando as novas exigências de Portugal, D. Pedro I, insatisfeito, declara em 7 de setembro de 1822 a independência do Brasil.

O primeiro correio regular surgido em terras tupiniquins foi inaugurado no dia 20 de janeiro de 1788, se restringia entre Portugal e Brasil, ligando também, a capital com as províncias. Os carteiros, como conhecemos hoje, ainda que não vestidos de uniformes amarelos e azuis, começaram a suas atividades só em 1844.

A estudante começou a trocar cartas desde cedo: "Eu trocava cartas quando era menor, tinha uns 11 anos, com amigas do Rio de Janeiro. Mas o tempo passa, vem a internet, acabamos parando de nos escrever" afirma Janice. Morada de Nova Bríscia, no Rio Grande do Sul, a estudante que se prepara para o vestibular de direito, só retornou ao ritual de mandar cartas ao descobrir um tópico chamado "Cartas Manuscritas", na comunidade "Maníacos Por Livros", na rede de relacionamentos orkut, e não se arrepende: "minha identificação foi tanta que me apaixonei pelo grupo, tanto que continuo firme e forte".

Não há como negar a diferença entre um e-mail e uma carta. O primeiro tende a ser mais enxuto, lacônico até, geralmente usado para dar notícias ou pedir conselhos rápidos sem qualquer tipo de aprofundamento. A carta, por ser mais demorada, tende a ser longa, detalhada, parece que o papel convida para declarações, confissões e até para contar histórias, além de ser eterna. Exceto, claro, em casos de incêndio. Foi valorizando estes aspectos que a estudante diz ter feito amizades verdadeiras e de laços fortes, aprendendo muita coisa, pois, segundo ela, cada um traz um aprendizado diferente, mesmo que inconscientemente, pelas missivas.


 

Sendo brega ou não, sendo coisa de velho ou não, a carta possibilita redescobrir novas formas de comunicação, está impregnada de um certo lirismo e romantismo perdido na era tecnológica, é capaz de aproximar pessoas tão diferentes com um objetivo em comum. "Pode até ser coisa de velho ficar trocando missivas e esperar dias por uma resposta sabendo que com e-mails é tudo mais rápido. Mas, não troco uma carta que seja por mil e-mails. Cada carta traz um "pedaço" de quem a escreveu, e demonstra que determinada pessoa tirou um pouco do seu precioso tempo (que nos dias de hoje é mesmo precioso) para me escrever", argumenta a jovem-antiga Janice.

 


 


 

Essa ciranda é de todos nós

Como surgem suas cirandas? “Escrevendo, lendo e cantando”.

Assim é Maria Madalena Correia do Nascimento, ou, simplesmente Lia de Itamaracá: descomplicada como a própria ciranda.
O jeito sério se desmancha quando fala sobre sua música. A resposta é rápida, sem reticências, quando perguntada sobre o que sente quando canta: Feliz!

A cirandeira e merendeira (isso faz questão de frisar), figura ilustre na Ilha de Itamaracá, Pernambuco, completou 64 anos em 12 de janeiro e parece ter disposição para muitos outros anos de ciranda. Sua voz forte completa a marcação do bombo, tocado enquanto cata para os brincantes. Mas o cenário não é sua casa. Não tem pé na areia de uma praia em Itamaracá. Os brincantes da cidade de pedra fizeram da iluminação do palco, a Lua e do chão de cimento, a areia branca.

Os paulistanos abriram espaço para Lia entrar.




O SESC Pompéia ficou em festa dia 13 de março para ouvir cirandas, loas de coco, maracatus e frevos. O repertório faz parte de “Ciranda de Ritmos”, o terceiro disco em 31 anos na carreia de Lia.

As letras simples falam sobre amor, “coisas” do nordeste ou, simplesmente, da própria ciranda. Tudo isso marcado com caixa, ganzá, surdo, trombone, saxofone e trompete faz com que a alma voe.

Mãos, pés e corpos flutuam, mesmo quando se está fora da roda.

A dança é democrática e fácil de se acompanhar. Talvez esteja aí o mistério da magia de cirandar: quando se entra na roda, não importa quem está ao lado. Pode ser velho, novo, rico ou pobre. As mãos podem ser finas, grandes, quentes ou suadas. Ali, tudo é uma coisa só. O movimento com os pés e mãos imitam o vai e vem das ondas e todos rodeiam sorrindo. Dá vontade de gritar: desce daí, Lia! Vem com a gente brincar!

Partidos Políticos na Coroa e na Modernidade

Introdução

Em 15 de junho de 1889 a família imperial brasileira saía do Teatro Sant’Ana após um concerto da violonista Giulietta Dionesi. Episódio, corriqueiro e freqüente, afinal os eventos e festas dos quais participavam a família real eram muitos: bailes, concertos e até festas populares. Mas o concerto do dia 15 de junho, ficaria marcado por um atentado de grande repercussão nas capas dos jornais e revistas da época: o português Adriano do Vale, 20 anos, teria gritado subitamente um “viva a República”, seguido de um tiro em direção à carruagem do imperador (Schwarcz, 2003). Há nesse fato, uma imensa representação do clima de efervescência em prol de uma República do Brasil. Apesar da ameaça real, a monarquia, na figura popularíssima de D. Pedro II tentava se segurar no poder, o que durou somente até 15 de novembro do mesmo ano, com o “golpe” da Proclamação da República.
O fim do regime monárquico revela o poder das manobras políticas do Partido Republicano, suplantando os dois grandes partidos políticos do Segundo Reinado: Conservadores e Liberais, ou ”saquaremas” e “luzias”. Apesar da extinção desses tradicionais partidos, cabe a eles grande período de alternância no poder parlamentar do Império, o que nos oferece episódios de contradição, concorrência e “disputa” no cenário político eleitoral da época. Formas de representação popular e ideologias partidárias são interessantes temas dessa trama enredada, principalmente entre 1840 e 1889.
Muito diferente do que se entende por partidos políticos na contemporaneidade, naquele tempo não havia espaço para representações dos mais diferentes tipos de público eleitoral. Aliás, o próprio eleitorado era bem diferente. Mesmo com o enfraquecimento da escravidão dos últimos anos do reinado, não havia a participação do povo geral, muito menos dos negros e das mulheres. A aristocracia era parte do jogo, juntamente com o Poder Moderador de D. Pedro II, que elegia seus pares para o parlamento. Na linha de frente, era o imperador que escolhia os nomes em listas tríplices, obtidas por meio de eleição popular (Schwarcz, 2003, pg. 120).
Em poucos meses, o Brasil passará por mais uma eleição para a presidência da República. Desde o “golpe da república”, figurado por Deodoro da Fonseca, o país já teve 43 presidentes diferentes (Planalto). Ao contrário da política do final do século XIX, a situação partidária hoje é diversa. São 27 partidos registrados, representando diferentes segmentos da sociedade.
Mesmo com discrepantes diferenças nos cenários políticos e no dinâmico processo no campo das ciências políticas desde o período monárquico, cabem análises e comparações históricas entre os partidos políticos imperiais e os modernos conceitos acerca desses que são os grandes atores no palco da política.
As análises aqui apresentadas se têm como objetivo mostrar como é entendido o conceito de Partido Político hoje em dia, fazendo um paralelo com a estrutura que se formava durante governo de D. Pedro II. A história e representatividade dos dois grandes partidos do Império também serão tratadas como forma de expor ao leitor como se davam as relações de poder partidárias na época e, por fim, entrará em pauta a representação popular e eleição dos históricos partidos do Brasil Imperial.

Partidos Políticos na Coroa e na Modernidade

Nas eleições de outubro de 2010, os eleitores brasileiros participarão diretamente do jogo de disputa política entre 27 partidos. No entanto, essa aparente diversidade de propostas ideológicas, na essência, pode ser classificada em dois ou três grupos de interesses: partidos que defendem políticas públicas populares, aqueles que defendem e elegem o patronato e, mais isoladamente, a bancada verde. Independente de quais são os valores ideológicos, a questão essencial, que fundamenta a criação dos partidos políticos, em qualquer período histórico, de constituição, é uma só: a busca pelo poder que se apresenta com a chegada de um candidato ao cargo público.
A obra de Gianfranco Pasquino sobre partidos e sistemas políticos organiza os conceitos clássicos sobre o tema e oferece boas condições de analisar a construção do poder nesse sentido. Um dos argumentos apresentados por Pasquino, do suíço Stein Rokkan, expõe explicações genéticas sobre o nascimento dos partidos que dá conta de que a Revolução Industrial fornece condições especiais na formação dos agrupamentos partidários de interesses contrários aos do patronato: os das classes operárias (Pasquino, 2002, pg.156). A partir daí surgiriam os partidos de massa, o que de fato daria um novo ritmo às disputas e concorrências ao poder. Segundo o autor italiano, é a partir desse momento que as democracias ocidentais, por volta de 1920, se instalam através das eleições. Esse traço de democracia, de fato faltou às estruturas partidárias do Império. De longe, o que se via de oposição ao “empresário” da época (os latifundiários e senhores de engenho), eram os movimentos abolicionistas que influenciavam o cenário político, pressionando a monarquia a tomar algumas medidas, que foram feitas de forma gradual, de libertação dos escravos. No entanto, nunca chegaram a ganhar corpo de partido representativo no poder junto ao monarca. O fato é que, somente a partir do período regencial surgem, especialmente na figura dos Conservadores, os partidos políticos brasileiros, reforçando o elitismo que já andava pelos salões da Corte.
Outra definição sobre partidos políticos, também apresentada na obra de Pasquino, é do pensador Max Weber, que fala sobre a essência dos partidos políticos como organizações livremente criadas que pretendem fazer um recrutamento livre com a finalidade de sempre procurar votos em eleições para cargos públicos (Pasquino, 2002, pg. 154). Guardadas as proporções do conceito de recrutamento livre durante o período escravocrata, os objetivos e constituições partidárias no período monárquico não fogem tanto às definições weberianas.
Nos casos dos conservadores, conhecidos como saquaremas, a organização do partido surge em torno da região de forte produção cafeeira, o Vale do Paraíba. O objetivo era formar um partido que defendesse junto ao poder monárquico, ou seja, os interesses do comércio e dos senhores do crédito, comércio e crédito que nominam a fazendo, o engenho, o latifúndio. Para isso, precisariam estar nas cadeiras do Senado e na Câmara dos Deputados, mesmo com o Poder Moderador de D. Pedro II. Já o recrutamento dos liberais, à época chamados de luzias, acontecia em torno dos assuntos da cidade, da soberania popular que se concentraria na emancipação do município e da província (Faoro, 1975). A soberania popular era aquela voltada aos interesses elitistas e não das classes trabalhadoras, que ainda eram, em sua grande parte, compostas por escravos e que, portanto, não eram eleitores.
Embora se dissessem diferentes, eram pouco discerníveis quando no governo. Daí um refrão famoso do visconde de Albuquerque, perfeitamente aplicável às realidades contemporâneas: "Nada se assemelha mais a um 'saquarema' do que um 'Luzia’ no poder". Raymundo Faoro, em seu livro “Os donos do poder” interpreta: “o certo seria dizer que, no poder, nada separa um saquarema de um Luzia, mas o poder, na verdade, tem outra estrutura, independente do jogo cênico dos partidos em revezamento no ministério” Seriam eles, a opinião pública militante, legitimados plelas eleições, com o”povo” genuínamente representados (Faoro, 1975, pg. 342). Outra semelhança aos partidos contemporâneos: os Luzias ficaram conhecidos por adotar as propostas dos adversários sempre que voltavam ao poder (Schwarcz, 2003, pg. 122) .
Em alusão aos conceitos modernos de bipartidarismo e partido dos notáveis, é possível enquadrar os dois principais partidos da monarquia tanto em um como em outro conceito. Conservadores e Liberais revezaram-se no poder de 1837 a 1853, até a inauguração da “conciliação”, que marca uma nova orientação na política imperial, contendo representantes dos dois partidos nacionais (Schwarcz, 2003), sendo essa uma forma autêntica do bipartidarismo. No que se refere ao eleitorado, é dispensável citar os poderes econômicos e grandes influenciadores das elites que compunham o quadro dos partidos. Como mencionado, à época não existia a contraposição “trabalhadores VS patronato”, para que houvesse partidos de massa. Caso houvesse, uma tendência bem provável seria a de transformação desses partidos em pigliatutto, segundo elaboração de Otto Kirchheimer. Isso significa que a propensão de esses partidos expandirem ao máximo a sua base eleitoral de apoio, alargando-a a todos os eleitores e apoiadores possíveis, mesmo que houvesse prejuízo da sua própria identidade. Ou seja, a manutenção do poder é, certamente, mais importante que qualquer identidade ideológica que fundamente o partido. Isso era no Império e não deixa de ser hoje em dia.

Eleições

Todo partido visa à eleição por via da opinião pública (direta ou indiretamente), sendo seu maior objetivo ocupar um cargo público. Esse conceito é muito importante e fundamenta sua retomada para tratar justamente da forma como chegam ao poder. Na modernidade esse mecanismo tem a forte relevância no que diz respeito à participação popular através dos partidos de massa. É essa participação, por exemplo, que acirra as concorrências e impulsionam transformações nas bases partidárias que podem ir do recrutamento de candidatos e militantes, até mesmo a coligações e mudanças na identidade para agradar ao público eleitor. Já na monarquia, as eleições tinham um cunho bem diferente. Além de não se parecer nada com um sistema eleitoral democrático, ainda existia o quarto poder de D. Pedro II, o Poder Moderador, que tinha condições de veto no processo de eleição. Além dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, existia o recurso Moderador, que colocava “graxa nas rodas” da administração, como o próprio rei costuma falar sobre o uso de seu poder. No entanto, no que se refere ao processo eleitoral, essa “mãozinha” nos negócios políticos era mais decisiva do que D. Pedro II admitia. Por exemplo, o pretendente à vaga, deveria ter idade mínima de quarenta anos e, o mais importante, renda de 800 mil-réis anuais (Schwarcz, 2003. Pg. 120). O sistema eleitoral no período da monarquia merece destaque, pois ele, de certa forma, torna a existência dos partidos políticos artificiais, se analisados sob a ótica democrática, tal como concebemos atualmente.
Segundo Raymundo Faoro, o sistema se apoiava sobre pés de barro frágil e todos sabiam que as eleições pouco tinham a ver com a vontade do povo. O eleitorado era obediente ao governo, qualquer que fosse este, uma vez que fosse o poder que nomeia, que possui as armas e o pão (cit. in Faoro, 1975, pg. 343). As eleições, portanto, eram inautênticas e formadas pelos grupos sem raízes populares. Para além dessa falaciosa verdade sobre a participação do povo nas eleições, o rei, com seu Poder Moderador, governava sem governar. Deixava a adminstração nas mãos do conjunto político e intervinha quando achava que deveria. Segundo o próprio imperador observou “Eu deixo andar a máquina. Ela está bem montada e nela tenho confiança. Somente quando as rodas começam a ranger e ameaçam parar, ponho um pouco de graxa” (cit. in Faoro, 1975, pg. 344) .
O jogo político que se seguia em véspera de eleições, segundo Faoro mostrava o seguinte cenário:
“ o cidadão só perceberia, no poder público, o bacamarte, no dia da eleição; o voraz cobrador de impostos, na vida diária. No outro pólo, há um jantar a digerir, formado de empregos, alegrando com a promessa da carreira política”.

Assim como nas universidades européias, o sistema também tratava de prepara escolas para gerar letrados e bacharéias para ocupar cargos públicos, em comum acordo com o atendimento às exigências sociais. Essa situação, reforça a idéia de que nem um resquício de representação das massas poderia existir nos partidos políticos e nem nos sistemas de eleição. Baseando-se nesse cenário, é impossível identificar os conceitos modernos de participação política através do voto. Também não é possível pensar à época de D. Pedro II eleições em que pudessem participar todos os cidadãos fazendo funcionar os regimes democráticos, conforme definições de Pasquino. Mais uma vez, se confirma toda a artificialidade que inclui não só o sistema eleitoral, mas a idéia de participação política da opinião pública.

Conclusão

Fazer um exercício de volta ao passado histórico da política brasileira assume um caráter importantíssimo para que se compreenda as atuais definições sobre Partidos e Sistemas de Eleição. Voluntariamente as conexões entre o passado e o presente vão se construindo e assumindo posições críticas entre um pólo e outro. Sem dúvida, o caráter de manutenção do poder se revela cada vez mais claro nas relações políticas, seja no século XXI, seja no século XIX.
Por outro lado, a história da democracia evolui vertiginosamente, tornado quase irreconhecível alguns aspectos presentes na monarquia, especialmente no que se refere ao sistema de eleição. Outra mudança essencial, que fez toda a diferença nesse processo de evolução foi a condição necessária para a formação dos partidos de massa. Sem esse evento, provavelmente a política teria permanecido nas maõs dos notáveis de sempre, assim como teriam permanecido os saquaremas e os luzias, não fosse o golpe da república que os obrigou a migrarem de ideais para permanecerem no poder.
No que diz respeito a formação dos partidos políticos, para além da questão dos partidos de massa, não se revelaram traços tão distintos, tendo em vista que a associação partidária obedece sempre ao mesmo objetivo: sob a forma de eleição para cargos políticos, estar no poder e defender interesses, que raramente são os do povo, das minorias. Essa com certeza é uma semelhança que dificilmente dixaremos de encontrar na política ao longo das épocas. Creio que seja o gene imutável dessa fascinante história que é a própria política.

Referências Bibliográficas
Bobbio, N. (2007). Dicionário de Política. Brasília: Editora UNB.
Faoro, R. (1975). Os Donos do Poder. São Paulo: Editora Globo/ Editora da Universidade de São Paulo.
Fernandes, M. F. (2007). Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo. Cadernos de Ciências Humanas - Especiaria , 277-301.
Pasquino, G. (2002). Curso de Ciência Política. Parede, Portugal: Pincípia.
Planalto. (s.d.). Acesso em 22 de junho de 2010, disponível em Planalto: /www.planalto.gov.br
Presidência da República Federativa do Brasil. (2006-2007). Fonte: Presidência da República Federativa do Brasil: www.planalto.gov.br
Schwarcz, L. M. (2003). As Barbas do Imperador. São Paulo: Companhia Das Letras.
Tribunal Superior Eleitoral. (s.d.). Acesso em 20 de Junho de 2010, disponível em Tribunal Superior Eleitoral: www.tse.gov.br

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Sobre o Aboio

“Foi quando se escutou um grito que subia, um grito sobre-humano, agudíssimo, claro, tão nítido, que feria, tão forte que dominou a voz dos bois”
(Mário de Andrade)

A comunicação entre o homem sertanejo e seu rebanho. Assim pode ser definido o aboio, espécie de canto de trabalho entoado até hoje no sertão brasileiro. São melodiosos lamentos que carregam versos contendo a alma da vida sertaneja. A cadência lenta dos cantos é uma adaptação do andar vagaroso dos animais durante o pasto.
O aboio se divide em duas principais categorias, podendo ser um canto entoado sem palavras ou em versos enquanto o vaqueiro tange a boiada.
A origem do aboio em versos é moura, tendo vindo ao Brasil, provavelmente da Ilha da Madeira, segundo estudos do folclorista Luís da Câmara Cascudo. No entanto, a origem do nome aboio, segundo Cascudo, é brasileira, tendo sido incorporada pelos portugueses, já que em Portugal, aboioar significada colocar uma bóia em alguma coisa.
Os aboios sem versos, servem também para orientar os companheiros que se dispersam durante as pegas de gado. É comum, nessa modalidade, que o vaqueiro termine sua toada com algumas frases declamadas, sempre com temáticas relacionadas ao seu rebanho como, por exemplo, “ei, boi, ei, boizinho, eh, gado manso”.
Nos aboios versados pode-se observar grande sentido poético do vaqueiro, que tem seu rebanho não só como parte de seu trabalho, mas também como uma forma de relação familiar. Muitos aboios falam sobre a vida sofrida do sertão, e sobre uma relação íntima de amizade com o rebanho. É no momento da declamação, ou seja, do aboio, que esses versos ganham todo o sentido dramático e melódico, tornando o aboio uma espécie de desabafo, uma linguagem especial entre o homem e o animal. É para o seu rebanho que o vaqueiro entoa sua poesia.

Marx e a Miséria da Filosofia

Assim como a história, Marx não é uma constante. Ele é resultado de acontecimentos da história que lhe permitem mudar para ser o mesmo. Explico: a essência das idéias marxistas é a mesma, mas o amadurecimento delas passou por fases em que o próprio pensador pôde dar-lhes forma. Fala-se do jovem Marx, do sonhador Marx. Fala-se do Marx maduro, mais consciente de uma provável imutabilidade das coisas.
Nesse sentido, Karl Marx nos oferece um cardápio à francesa: entradas, pratos quentes, acompanhamentos e sobremesa. Ou seja, resumidamente, os manuscritos e ensaios iniciais, “Miséria da Filosofia”, “Manifesto Comunista” e “O Capital”. Os pensamentos contidos nesse menu leva-nos a um banquete de idéias. “Miséria da Filosofia” e “Manifesto comunista” seguem certa progressão dos pensamentos de Marx em relação à Luta de Classes, Revolução Proletária. Idéias essas, pouco exploradas 20 anos depois em “O Capital”.
Dentre as idéias desenvolvidas em “Miséria da filosofia”, o capítulo 5 trata sobre as greves e as coalizões operárias. Apesar de ser um capítulo curto, descreve com objetividade e clareza metodológica seus pensamentos sobre a ideologia econômica circulante na época e sua crítica em relação a ela. Também deixa claro o fio condutor que será retomado no “Manifesto Comunista”: a Revolução Proletária.
Para tanto, Marx utiliza sua metodologia de desvelamento da realidade aparente de forma muito interessante. Cita um discurso de Pierre- Joseph Proudhon sobre o encarecimento das mercadorias frente às concessões de aumento salarial pleiteado pela massa grevista, para então tecer uma desconstrução das afirmações feitas pelo filósofo político e econômico francês.
Marx chega a ironizar Proudhon de forma a deixar claro que ele é apenas um reflexo da ideologia economicista divulgada amplamente nos jornais de economia na Inglaterra. Dessa forma, Proudhon aparece como algo forjado, parte do sistema que mantém a ideologia dominante, burguesa.
Em outra passagem do capítulo, Marx desenvolve o papel dos contra-mestres ingleses - operários que eram dedicados aos fabricantes - nos comícios organizados em Bolton na época das agitações pela abolição das leis sobre os cereais, que beneficiavam os proprietários fundiários.
Marx acusa Proudhon de se valer das opiniões desses “operários” divulgadas pela imprensa comprometida com os fabricantes, como sendo essa parcela os verdadeiros operários e elevando-os a pessoas informadas sobre economia, livrando a classe: “Esta miséria faltava à Inglaterra: ela não cruzará o esteio”. Mais uma vez, fica clara a crítica marxista acerca da ideologia política e econômica em voga na época.
O pensador alemão passa por questões como greve, aumento de preços e salários para chegar à questão das coalizões entre operários. A legalidade das coalizões aconteceu em 1825 para que pudesse adequar a legislação do estado de coisas resultantes da livre concorrência. Uma forma de fortalecer aliança entre os proprietários para enfrentar melhor as regras de mercado que se formavam com a consolidação cada vez mais efetiva do capitalismo. Com essa legitimação, a coalizão entre os operários era também legalizada, o que causou um efeito desfavorável aos proprietários. Sabendo-se da força que poderia ser construída com a aliança entre os operários, era comum que economistas publicassem posições contrárias a elas, com discursos ameaçadores sobre a “perturbação do comércio e precipitação à introdução de máquinas que, tornando o seu trabalho parcialmente inútil, forçá-los-ão a aceitar um salário ainda mais baixo”. Outra ponta contrária às coalizões eram os socialistas que argumentavam sobre os prejuízos causados por um esforço de criar alianças serem muito maiores do que possíveis aumentos de salários que pudessem conquistar com as greves em grupos.
Para Marx, as coalizões dizem o lugar em que uma determinada classe operária está em seu país. Daí a importância desse capítulo de “Miséria da Filosofia”, pois as greves e as coalizões demonstram força, um embrião das associações, demonstram um movimento de resistência. Na idéia de “missão histórica do operariado”, as coalizões, segundo Marx, são passos importantes para que as lutas de classe em si ganhem o corpo da luta para si, levando os operários cada vez mais perto da sonhada Revolução Proletária, capaz de destruir o capitalismo com a explosão causada pelo choque entre os interesses opostos entre a burguesia a e o proletariado (conforme a ideologia presente na obra de Marx no momento da produção de “A Miséria da Filosofia”. Essa idéia será amadurecida e abandonada por Karl Marx em “O Capital”, 20 anos mais tarde).
Dessa maneira, O capítulo “As greves e as coalizões e operários”, que parece ser apenas um aperitivo do banquete, mostra-se como excelente entrada para as obras mais complexas e desenvolvidas do pensamento marxista.

Reportagem Multimídia - Apa Capivari-Monos

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